segunda-feira, 15 de junho de 2009

Vai, me leva para sempre...

Olha, garoto. Eu não sei se algum dia você vai ler isto, mas eu espero que te achem. Você não me conhece, não exatamente, então permita que me apresente: me chamo Marcelo, tenho 37 anos e sou - ou era - jornalista. Até a semana passada, trabalhava na Folha de São Paulo. Acontece que eu sofri um acidente, e sei que não vou resitir por muito tempo. Prefiro não te dar mais detalhes, não quero que você tenha uma lembrança tão triste de mim.
Você se lembra de quando tinha 7 ou 8 anos, e foi passar um fim de semana na casa da sua tia, no interior? Hoje, com o fim tão próximo, tenho uma visão mais clara da minha vida, e esse é um dos poucos momentos de que me arrependo.
Era um sábado, lá pelo final da manhã ou começo da tarde. Fazia frio, mas o céu estava bonito e até as nuvens pareciam radiantes, ou então era tudo felicidade minha porque as férias estavam chegando. Não importa... Nas palavras daquela época, eu diria que sua tia parou o carro do meu lado para mostrar o menino mais ou menos da minha idade com quem eu poderia brincar; você abriu a janela de trás, ficou em pé no banco e colocou a cabeça para fora, com um ar meio pensativo; eu era tímido demais pra falar qualquer coisa e vocês tinham me pegado de surpresa. Nas palavras de hoje, eu diria que fiquei com vergonha de ter sido visto ajudando o meu pai a consertar o poste de iluminação em frente à minha casa, e que me senti sujo e descabelado - como se eu não pudesse ser uma criança no final da manhã [ou começo da tarde] de sábado, pijama, dentes por escovar e brincadeira de fingir que pode consertar o poste. Pela primeira vez na vida, senti que eu deveria ser mais do que aquilo. Deveria ser algo de que você gostasse, e eu me parecia muito bobo pra isso.
Você me inquietou, guri, mas me deu esperança infinita com o seu olhar. Ainda não consegui entender exatamente o que ele transmite - algo de amplo, de forte, de plácido; algo de alegre - mas vez ou outra, sem muito esforço, vejo o seu rosto na minha frente, com a mesma intensidade.
Me arrependo de não ter falado contigo, Jorge. Sua tia me disse algumas palavras e o seu nome, então arrancou o carro e eu nunca mais te vi.
Já me conformei com o fato de ter que partir, e acho que vivi uma vida razoável. Não fiz nada que pudesse ser muito criticado, só uma ou outra escolha equivocada, mas acontece com todo mundo. E é até bom que aconteça, para que possamos aprender.
Só que... a minha vida inteira eu carreguei um nó na garganta, Jorge, e só agora que o laço que me prende à vida se afrouxou sobremaneira é que eu conheci as palavras de que esse nó é feito. Desde os 9 anos de idade, Jorge, um nó na garganta. Desde os 9, Jorge.
Eu te amo