segunda-feira, 14 de julho de 2008

Água-viva

Eu só quero nadar, nadar, nadar. No começo, polir o corpo com água. Depois, cada vez mais rápida e freneticamente, fazer o suor se confundir com o líquido que me circunda. Até que eu também derreta e me misture ao suor, me misture à água. Até que tudo deixe de existir, pra virar tudo só água. Límpida e fresca água. E depois, que nada mais se misture. Que eu possa escorrer das pessoas e arrastar algumas para o fim, sem me contaminar. E permanecer fresca e límpida.
E você também. Te arrastar pra mim, me escorrer por você e fazer amor-água: que derrete, mistura e confunde pra sempre. Amor-água, seres-água, gozo-água: tudo com uma lentidão de força arrebatadora; vai-e-vem interminável regido só pelo vento e pela lua, e por mais nada. Tudo fresco, tudo límpido, tudo profundo. E os mistérios das profundezas, só nossos. Só água.

segunda-feira, 30 de junho de 2008


a n a t u r a é e t e r n a
a n a t u r a é t e r n u r a
a t e r n u r a é e t e r n a
h á t e r n u r a é n a t e r r a

terça-feira, 10 de junho de 2008


Ex tava

estável.
Eis
na esquina
o esboço
do ex tanto -
do ex moço.
Esquadrinha
o espantalho,
instantânea
dispara
na ex-quina
do espelho.
Despedaça-se,
espele,
ex-pele!
Inspira,
explode.
Expira,
implode.
Executa,
exulta.
Ex tava
in(s)pirada.

terça-feira, 3 de junho de 2008

Fotografias literárias da Inconfidência

Outro a ser revisto.


Não foram poucos os críticos do “Romanceiro da Inconfidência” que disseram haver uma união entre história e literatura nesta obra de Cecília Meireles. De fato, ela narra os acontecimentos da Inconfidência Mineira, com foco naqueles cujos protagonistas foram os poetas árcades e o alferes Tiradentes. Para isso, porém, conta mais de um século da história mineira: o enredo se inicia na descoberta do ouro e vai até os últimos anos do século XVIII.

O livro foi inspirado na tradição ibérico-medieval de narrar acontecimentos através de pequenos poemas cantados, fáceis de serem memorizados (pela musicalidade fluida obtida com rimas, ritmos, aliterações e assonâncias), os romances. No total, é composto por oitenta e quatro deles, quatro cenários e duas falas (que podem ser entendidas como prólogo e êxodo).

Cada romance conta um episódio independente dos demais, apesar de muitos deles estarem em intrínseca relação, e tem um personagem principal. São curtos, embora seu conjunto seja abrangente: os fatos são colhidos em essência, de uma forma que faz leve a leitura, e estão presentes até elementos da cultura popular mineira.

É surpreendente a versatilidade da poeta: sua habilidade permanece intacta no trânsito entre os mais diversos esquemas métricos, capazes de acentuar a carga emotiva de seus versos, intencionalmente. Usa tanto métricas ilustres, como tercetos de decassílabos em rima dantesca (na fala inicial), quanto populares, como as redondilhas.

A linguagem e muitas imagens, porém, são típicas da poesia de Cecília. Os que não estão acostumados com ela podem ter dificuldade em visualizar claramente as cenas. Basta um pouco de prática, no entanto, para que as brumas se dissolvam e o leitor se torne expectador da história que se compõe sozinha, alheia a ele, à autora, aos conjurados.

Mesmo o rico lirismo da obra é fotográfico: Meireles colhe como ninguém a condição humana e a reflete no texto, para instigar a reflexão sobre ela. Não por acaso, os três ciclos que integram a obra estão em ordem ascendente de valor: o ciclo do ouro, do diamante e, por fim, o da liberdade – “essa palavra que o sonho humano alimenta, não há ninguém que explique e ninguém que não entenda”, como se fosse ela o último e desesperado desejo das Minas em decadência., o último e desesperado desejo de todo e qualquer homem.

Como a própria autora disse, o “Romanceiro” não julga. Se assume nitidamente o lado dos revoltosos, é porque se faz porta-voz da memória coletiva

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Tinha séculos que não terminava um texto, pelo menos comecei alguns. Este ainda precisa de ser revisto, e muito provavelmente mudado. Hasta!


Outro dia eu tava lá na Savassi. Acho que era uma sexta ou um dia desses que todo mundo resolve se exibir naquela praça. De um lado, fica aquele bando de pirralho doido, cada um com uma roupa mais estranha que a outra. Do outro lado ficam os grã-finos, que devem achar gostoso cheirar fumaça de carro e misturar música com o barulho do lado de fora, só pode. O tal bar em que eles ficam tem um tanto de livro também... Sei lá pra quê.
Mas eu não to nem aí, também. Eles são uns filhos da puta por gastar aquela dinheirama toda com comida pouca e estranha, enquanto eles bem que podiam comprar pão pra família deles e pra mais umas 10 das nossas. Que se foda, faz tempo que desisti de reclamar, ninguém ouve a gente, deve ser porque enquanto a gente fala o ronco da barriga é mais alto que a voz. Além do mais, é tempo perdido, menos latinha que dá pra pegar deles. Se tem uma coisa boa que eles fazem é beber essas coisas nojentas com gás igual camelo bebe água, me dão dinheiro fácil, assim. Tomara que nunca descubram a cachaça, se não param de me sustentar! Eu – ao contrário deles – tenho mais com o que me preocupar. O preço de tudo aumenta, minha família aumenta, mas emprego que é bom ninguém acha. Outro dia deu na TV que tinha advogado na fila pra virar gari. Eu queria ter virado advogada, se meus pais não tivessem me mandado trabalhar de empregada antes de terminar a escola. Eles falavam que diploma não ajuda a encher barriga, e taí a prova. Quanto mais diploma, mais prazos ce tem que cumprir em menos tempo – se ce conseguir emprego, né - pode até ganhar uma dinheirama danada, mas depois vai estar de saco tão cheio que nem vai aproveitar nada... Eu sou pobre, mas pelo menos sou livre. Meu único prazo é minha fome. Então, era exatamente isso que eu tava contando, eu tava com fome. E era uma sexta. E eu tava na savassi, na parte dos ricos. Eu gosto de ir lá, vou nas mesas pegar as latinhas e ver se eles me dão uns trocados. Na verdade, eles SEMPRE me dão uns trocados. Nas sextas, me divirto igual eles. Mais que eles. Nas noites frias, me esquenta olhar bem forte praqueles olhos gelados e praquela felicidade fingida deles. Me esquenta ver que eles se incomodam com a minha presença, não gostam do que não é igual a eles. E isso me esquenta porque significa que eles não querem que eu seja igual a eles, quase que desejam serem livres como eu. E, por isso, se envergonham quando eu chego e me sustentam. É o único jeito que eles acham de ter uma minúscula participação na vida que eles queriam levar – a minha vida.
Uhn, já tava me perdendo de novo. Eu tava na savassi, no bar dos ricos que tem livros, e era uma sexta, e eu tava catando latinhas e pedindo dinheiro. Tinha duas meninas numa mesa mais longe da confusão, num cantinho mais perto das plantas da praça. Elas não olharam pra mim com cara de quem tem pena da minha vida – só porque eu não tenho luxo, mas lixo - mas mais pena ainda da vida delas (e é assim que me olham normalmente). Elas olharam para mim como quem gostaria que eu tivesse as mesmas coisas que elas, sem receber nada em troca, como se fossem felizes com a própria vida, de verdade. Eu achei isso estranho demais, mas fiquei feliz – ia ganhar mais dinheiro ainda, quem sabe dava pra fazer uma surpresa pras minhas filhas, comprar presunto pra elas! Maaas nããão, ser humano não presta mesmo. Sabe quanto me deram? Necas. Mas tudo bem, fui atrás dos idiotas normais de sempre. Depois de umas duas ou três mesas, adivinha quem me aparece? Uma das duas meninas, perguntando se eu tava com fome e queria comer. Bom, fome a gente sempre tem. O ruim de oferecerem comida é que a gente nunca pode escolher o que quer, nem quando quer. Mas eu tava curiosa mesmo pra saber como que era a comida cara daquele lugar, e porque que era cara, e aceitei. Foi legal demais, fiquei sentada no banco da praça esperando, todo mundo me olhando. Odeio quando o povo me olha como se eu fosse uma aberração. Comecei a xingar aquele povo todo, a gritar, só pra eles terem motivo pra me olhar daquele jeito. É que eu tenho dó de povo ignorante metido a sabido, aí gosto de dar razão pra eles de vez em quando.
Esperei pra caralho pela comida, e me chega um misto quente igual o das lanchonetes de esquina fedorenta no centro, SEM CATCHUP!


quinta-feira, 27 de março de 2008

Por que não sair da toca?

Texto velho, de dezembro passado, última coisa quase decente que escrevi em prosa... Foi uma redação que a Sandra passou pra gente no último dia de aula, se não me engano nós tínhamos que partir de um artigo (péssimo e superficial, por sinal) da Folha sobre o que iria mudar na nossa vida dentro de cinco anos e fazer previsões.


Cinco anos pode ser tempo suficiente para mudanças em alguns campos, mas não há necessidade de perquisa científica para prevermos que, nesse intervalo de tempo, em quase nada mudará a mentalidade da população.
Com toda a certeza, a engrenagem capitalista continuará a rodar e nós seremos apenas seu combustível. É uma pena: pessoas continuarão a serem desperdiçadas, porque condicionadas desde pequenas a agirem como a maioria, comformada o suficiente para não se questionar. Será que realmente a felicidade maior, a plenitude da vida podem ser alcançadas quando se aceitam, sem resistência, as amarras da sociedade? Sem experimentar, não dá pra saber o que é melhor. O problema é que as pessoas têm medo, mas não são estimuladas a enfrentá-lo. Preferem ficar na toca, por medo da ocasional chuva, a ver o sol brilhar. Também, que diferença fará, se não sabem o que estão perdendo? A aversão ao pensamento crítico-construtivo está, infelizmente, arraigada por quase todo o mundo.
Um pequeno intervalo de tempo não é, de forma alguma, suficiente para mudanças tão profundas. Primeiro se deve sentir a necessidade delas, refletir e então tomar providências. Não é fácil que isso aconteça no mundo da ilusão. Acredita-se que a democracia é justa e igual para com todos, que a individualidade é respeitada. Os seres humanos, porém, estão cada vez mais homogêneos, dificultando a vida daqueles que tentam abrir nossos olhos.
Sinceramente, é difícil acreditar que a situação possa mudar. Mesmo assim, é nosso dever trabalhar duramente para diminuir a velocidade de giro do sistema. Talvez não em cinco - mas em cinqüenta anos - ele possa começar a parar. De qualquer forma, quaisquer melhoras, mesmo que sutis, são muito bem vindas.

terça-feira, 18 de março de 2008

Noite II

Poste sem luz:
O céu reluz

Noite no trânsito

Branco branco
risca
vermelho
pisca
acende
amarelo

Nem assim
apaga
a lua

sábado, 15 de março de 2008

Ad Annie

Grazie mille,
notturna brezza:
hai calmato
mia tempesta

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Tua parte mais próxima
me gela:
reflexo esquivo num espelho

quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Não te evito.
Às vezes, é preciso
levitar.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Alfinetes gelados
marcam os óculos,
caídos de todos os lados.
Eu corro,
eles tocam minha pele:
evanescem.
[27/07/07]

o vento é forte,
chicotes de areia e branco
no tornozelo
[25/07/07]

sorrateiro e preciso
passo
a madrugada se inspira em mim

Lord A. Ocior [15/01/08]

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Mo Chara (25/07/07)

Tem aqule apessoa que é quase tão importante quanto sua mãe, sempre tem. Você sonha e-nada mais natural - te pergntam como ela está. Você não sabe.
Não faz nem idéia se ela ainda sobe em árvores e se derruba as pessoas no asfalto (na verdade, em qalquer lugar. No asfalto só era mais divertido, e só com você), se exulta de felicidade e pula nos amigos, se não tem vergonha de chorar.
Será que ainda joga gamão, mas perde pra outro? Provavelmente ainda bebe com o canto da boca, mas não tem mais o paraíso nos olhos. Não pra mim.
Acordo, aliviada. Quando percebo que sonho e realidade em nada diferem, chovem lembranças nos meus olhos.

Pequena poesia em prosa (17/7/07 No ônibus, à noite, no Rio de Janeiro)

Sobre sapatilha preta, cartola alva e rubra. De cabeça baixa e escondida, foge de tudo o que é pungente. Imersa em música, parece buscar forças no refrão, admitindo: "I'm afraid". É essa sua distração maior. Será algum tipo de luta?
As mãos dentro do moleton desbotado sentem frio: a menina ao seu lado dorme. Olhos fechados e cantarolantes, ela sente que a menina está ao seu lado: mas ela dorme. Não faz mal, não vai durar. Ela está, sempre, no singular. E, sempre, pr'aqueles plurais, parece ausente demais.
A cada porta que se abre, ela deseja ser apenas a lua, que passeia no mar, ou a areia, que se refresca (um pouco de serenidade, só isso). Não precisa de abrir os olhos e virar-se pra janela pra saber que é assim. Fora dela é tudo tão estável...
São assim os singulares, vivem e sonham mais profundamente. Mais profundos também são os machucados, e nem sempre os cortes fecham. Chega um ponto em que é possível ignorar a dor, de tão costumeira... Como sei? Nossos olhares se cruzaram algumas vezes, e nada além de um espelho ela viu atrás dos meus óculos.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Suicida.

com a.c.o.r.d.a no pescoço
ela vê a.c.o.r.d.a morte
e não a.c.o.r.d.a a sorte.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Constatação

Escrever sem inspiração
é isso:
Nada conseguir expirar


Mal que ultimamente me acomete...